quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Álbum

Apaguei nosso último álbum, não sem antes passar por cada foto bem acomodada no sofá vermelho que foi nosso quarto, cozinha, ninho. Que foi meu refúgio tantas vezes nos dias mais frios, nas noites mais geladas. Em cada foto havia os mesmos sorrisos, a oração velada que fazíamos diariamente, o amor escancarado que tanto prometia. As imagens retratavam dias felizes, horas que passavam rápido, tão veloz quanto a felicidade. E passou tão rápido que foi difícil encarar o fim.

Se me perguntassem naqueles dias o que eram todas aquelas fotos, eu responderia sem rodeios que o álbum descrevia a certeza que eu estava viva, porque já não podia mais imaginar a minha existência sem a sua parceria. Ora, hoje minha lucidez quer entender se tudo era ilusão, ou se meu purgatório era te perder. Porque não havia dúvidas, eu precisaria renascer, sair das profundezas do limbo entre o seu amor e a minha dor e voltar a respirar. E como antes isso nunca havia sido uma opção, semi-vivi até aqui. Até reencontrar o nosso último álbum.

Li certo dia - em mais um dos tantos textos românticos que teimo em colecionar - que "o amor fica na barriga" e ele foi arrancado de mim sem anestesia, sem aviso prévio, sem ninguém para segurar minha mão e assoprar no meu ouvido o mantra dos otimistas "vai ficar tudo bem". Na barriga que sentia frio quando te conheci, quando te via chegar, quando me apaixonei. No estômago que meu ciúme se contorcia, era ali que tremia quando eu ficava feliz e foi ele o dono de muitos dos seus beijos.

Apagando esse álbum, no sofá vermelho que fizemos de morada por tantas noites, me pergunto o que foi real. Sentada e envolvida pela cor preferida, busco o fragmento de dor que transformou meu sorriso.

Eu vou sorrir mais, Deus. Com certeza.

terça-feira, 11 de março de 2014

Procura-se

Procura-se um amor que saiba amar.
Que tenha no peito a coragem, que queira mergulhar no medo profundo que é pertencer a alguém.

Procura-se alguém que tenha medo, o mesmo medo de perder a sanidade, de rasgar a pele em desespero, que tenha receio de acordar assoprando feridas expostas na carne, medo da verdade que é esse amor.

Procura-se alguém que queira ver o mar, enterrar os dedos na areia, dividir a brisa, o cheiro de maresia, que perceba o infinto e o abrace sem rodeios. Temos tão pouco tempo.

Procura-se alguém que saiba permanecer, durar, ser inteiro. Alguém que prenda a atenção apenas com um sorriso e que saiba fugir dos problemas mais simples como a fila do supermecado, o horário daquele filme e as marcas de shampoo.

Procura-se alguém que divida a cama, o travesseiro. Que ocupe o mesmo espaço do meu abraço. Que goste de dormir com barulho de chuva e não deixe a televisão ligada. Que esquente minhas mãos com o calor das suas, e o meu corpo com qualquer sopro de desejo.

Procura-se alguém que tenha cheiro de flor e gosto de fruta. Alguém que invada o odor do meu perfume e que grude nas escamas dessa pele. Que me acompanhe. Que queira andar no meu ritmo. Que decore meus caminhar. Que queira.

Alguém que fique por um segundo.

quinta-feira, 6 de março de 2014

Voltar

E quando percebi tinha ido mais longe, procurando a sombra dos teus olhos. Me esquivando daquele passado sujo. Fui além, além do prazer imediato, do contato sem compromisso, da risada embriagada.
Me embriaguei nas suas palavras, desejei memorizar cada parte do seu corpo, decorar cada fala espontânea, levar comigo o braço que me envolvia enquanto dormia. O sussurro desajeitado de bom dia. A peça de roupa impregnada com teu cheiro.

Foram tantos dias vazios naquele lugar nublado, passado, com as lembranças pesadas de um amor que não vingou. Ai vem você... descompromissado com as amarras que a vida nos prende, me deixou livre.

Foi ao te ver que cada centímetro do meu corpo vibrou e eu te quis. Ali. Me permitindo somente te querer. Te beijei e entendi, que por mais que eu houvesse sofrido, além da dor da mágoa, do choro e da raiva, os passos foram traçados para eu chegar até você.

Quando você foi embora, tentei repetir e conjuguei mentalmente todos os seus verbos. Porque eu cheguei até aqui sozinha e o voltar parecia lenda antiga.

Quando você voltar vou te ler em braile, te tocar sem receio e acreditar que no meu mundo de certos e errados, você é a minha contramão.

Quando você voltar...

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Te guardo

Entre paixonites de meia hora, ainda lembro do teu cheiro. Daquele tipo que preenche o ambiente, contamina a pele, traz para o dia um novo perfume.

Entre outras camas e lençóis, lembro das nossas noites, da risada frouxa, do carinho certo, da insegurança de não saber se te teria depois do pôr-do-sol.

Entre tantas datas riscadas no calendário, te vejo feliz. Te guardo no lugar das boas lembranças, das gargalhadas saudosas e do passado que deixa uma faísca de saudade.

Espero ter a sua sorte. Espero estampar o mesmo sorriso que o seu. Ou, se eu viver de meia sorte, que seja, ao menos, metade dele.